quinta-feira, 10 de março de 2011

O CAMPEÃO

Por Sérgio Moacir Pereira Fontana (Pelotas, RS)

Em 1970 Bagé estava em expansão. E creio que foi nesse ano que os padres começaram as reformas no Colégio Auxiliadora. Desmancharam os mictórios a céu aberto, que eram encostados no muro dos fundos da casa do Carlos Theo Lahorgue, e uma parte do prédio que ficava nos fundos do cine-teatro, também pertencente ao colégio. Então começaram a reformar os corredores que ficam em paralelo com a rua Marechal Floriano, aproveitando o período de férias dos alunos para acelerar os trabalhos. Em dois anos conseguiram alcançar uma boa parte do objetivo final.
Juro que não lembro direito das etapas cronológicas da grande obra, nem mesmo quando construíram a quadra poliesportiva, a qual, nesse processo de reformas, surgiu como num passe de mágica. Nela se podia jogar o clássico futebol-de-salão - com aquela bola pra lá de pesada - o basquete, o handebol e o vôlei. Foi então que nós, os alunos, passamos a ter contato com esses esportes, cujas noções básicas foram incluídas no programa de aulas de Educação Física.
Futebol, quase todo mundo sabia jogar, mas as outras modalidades precisavam ser mais bem ensaiadas. Uns gostavam só do vôlei, outros preferiam o basquete e outros - bem poucos – o handebol. Pois eu tinha 12 anos quando comecei a jogar basquete, e logo descobri que tinha razoável aptidão para o esporte, principalmente no quesito arremesso à cesta, particularidade que me incentivou a ser candidato a uma das vagas na seleção de basquete, de 11 a 14 anos, do Auxiliadora. E consegui o meu objetivo que era fazer parte da equipe que ia competir nos Jogos Interescolares Municipais de 1972.
Como na modalidade "Basquetebol" só o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora e a Escola Estadual Dr. Carlos Kluwe apresentaram equipes, a disputa do título se resumiu a uma só partida, por faixa de idade. Enfrentariam-se os times sub-14 e sub-18 dessas instituições, com jogos na quadra da Praça dos Esportes, ali, em diagonal com o Estadual e um pouco mais distante - mas não muito - do Auxiliadora.
Fazia frio às 9 da manhã, quando começamos a trocar de roupa, vestindo a sagrada camisa branca, sem mangas, com numeração às costas, bordada em azul escuro, e o nome "AUXILIADORA", bordado em vermelho, em forma de arco, no centro do peito, sendo o calção azul e o soquete branco. Por cima, o abrigo azul-marinho e vermelho do colégio, com a devida identificação, bordada em branco, às costas do moleton.
Mesmo sendo um dos atletas de melhor aproveitamento no arremesso à cesta, eu estava conformado em ser reserva, pois a minha estatura não privilegiada se constituía, teoricamente, em marcante desvantagem nas disputas de bola. Então que se virassem os nossos cinco titulares, capitaneados pelo nosso melhor atleta, o Alencar. Quanto aos nossos rivais, deles eu pouco sabia, mas chamava-me a atenção um jogador. Badô era o nome dele, e se movimentava com desenvoltura, e fazia cestas com certa facilidade, apesar de ter uma das pernas menos desenvolvida que a outra. Era essa a maior dificuldade que enfrentávamos, pois ninguém estava conseguindo neutralizar o Badô, capitão da equipe do Estadual.
No segundo tempo do jogo fui chamado pelo técnico da equipe que me instruiu a tentar meus arremessos de longa e média distância. Fui lá e tentei, uma, duas, três vezes. Duas tentativas deram no aro e uma outra, bisonha, nem acertou na tabela. Era hora de mudar a estratégia.
Jogo difícil, quase no final, e com vantagem de um ponto pró Escola Estadual. Quando a bola sobrou para mim, quase embaixo da cesta, eu tinha certeza que aquele era o último lance da partida. Girei o corpo e dei um impulso para o alto, ao mesmo tempo em que o sol das 11 horas me ofuscava a visão e todo o time adversário, em desespero corria, sem freios, na minha direção. Arremessei a bola sem enxergar, e recebi, de imediato, impactos múltiplos na parte superior do corpo, inclusive na cabeça.
Acordei 24 horas depois, no hospital. Lembrei de tudo, menos de uma coisa. Eu não sabia se tinha marcado os dois pontos que nos teriam dado a vitória. Ainda deitado e com os olhos semi-abertos, virei a cabeça para o lado e vi, sobre o bidê (criado mudo), um troféu que me encheu de alegria. Pedi à minha mãe que me alcançasse aquele símbolo da vitória, e para me certificar que tinha dado tudo certo, procurei, e encontrei, a palavra mágica nele gravado: "Campeão".
Sensibilizado pelo reconhecimento dos meus companheiros de time, perguntei à minha mãe se ela sabia quem tinha ido lá me visitar, enquanto eu estava inconsciente. Ela disse que quase todos, de uma vez só, foram ao hospital para saber como eu estava. Depois chegou mais um, mas esse, o que chegou com a taça na mão, ela não conhecia. Ele entregou o troféu para ela, dizendo que era um presente para mim, que eu era um herói e tinha feito por merecê-lo.
- E ele disse quem era? - perguntei à minha mãe.
- Disse sim, meu filho! O nome dele era Badô!