domingo, 24 de junho de 2007

O ANIVERSÁRIO DA RÁDIO DIFUSORA

O ANIVERSÁRIO DA RÁDIO DIFUSORA

Paccelli M. Zahler

A Rádio Difusora, a voz de Bagé, foi inaugurada em 27 de fevereiro de 1956. Nessa data, era tradição na cidade a apresentação de bandas e fanfarras em frente aos estúdios da empresa em homenagem ao aniversário daquele importante veículo de comunicação que, juntamente com a Rádio Cultura e a Rádio Clube, facilitava a integração e difundia notícias de interesse da Região da Campanha do Rio Grande do Sul.
Se minha memória não me engana, tudo aconteceu lá pelo ano de 1973, quando eu era integrante da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora que, por sua vez, tinha a regência do Padre Lino Fistarol.
Na Semana da Pátria, havíamos estreado os nossos novos uniformes. Calça branca, luvas brancas, polainas brancas sobre sapato preto, túnica vermelha com galonas douradas, quepe com penachos de náilon, acrescidos de uma afinação primorosa.
Fomos convocados durante as férias escolares para os ensaios visando a apresentação em frente aos estúdios da Rádio Difusora. Iríamos tocar o “Parabéns a Você” em ritmo de valsa e nada podia dar errado.
O capricho foi tanto que alguns músicos da Banda da 3a. Brigada de Cavalaria Mecanizada iam freqüentemente aos nossos ensaios para nos ensinar algumas técnicas e ajudar o Padre Lino Fistarol no aperfeiçoamento das nossas evoluções.
Para uma apresentação impecável, passamos mais de mês ensaiando todos os dias.
No dia marcado, nos concentramos em frente ao Colégio, fizemos a volta na Praça de Esportes em formação, nos posicionamos próximos à Farmácia Rio Branco e, a um sinal do trompete do Padre Lino Fistarol, começamos a desfilar na Avenida Sete de Setembro em direção ao prédio da Rádio Difusora, tocando um trecho da obra “Aída” de Verdi, nossa peça de abertura.
Em fevereiro, pleno verão, as temperaturas em Bagé são bastante elevadas. Como o sol batia diretamente no prédio, por uma questão de conforto para os convidados, o palanque havia sido posicionado do outro lado, à sombra, na calçada oposta ao edifício sede da Rádio Difusora.
O mestre de cerimônias era o Prof. Frederico Petrucci, nosso professor de geografia e apresentador de um programa radiofônico dominical de música erudita naquele veículo de comunicação.
Quando chegamos ao prédio da Rádio Difusora, permanecemos virados para o sul, na direção da Praça Silveira Martins, enquanto o mestre de cerimônias fazia as apresentações, ressaltando o trabalho da Rádio Difusora e a tradição da presença da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora no evento.
No momento de tocar o “Parabéns a Você”, o Padre Lino Fistarol ficou preocupado porque havíamos ensaiado para ficarmos de frente para o prédio da homenageada. Sinalizou, então, com o seu trompete, para virarmos para o palanque. Alguns de nós não entenderam o sinal, eu inclusive, e viraram para o prédio da Rádio Difusora. Foi o maior vexame! Metade dos membros da Banda ficaram voltados para o prédio e a outra metade para o palanque.
A coisa piorou quando os que estavam virados para o palanque viraram para o prédio e os que estavam virados para o prédio voltaram-se para o palanque.
Ficamos paralisados, ouvindo o roçar dos sapatos nos paralelepípedos virando para cá e para lá.
Quando acertamos a posição, com todos virados para o palanque, o Padre Lino Fistarol estava mais vermelho que a nossa túnica.
Houve um momento de silêncio, seguido de uma tremenda vaia do público, especialmente dos nossos arqui-rivais da Banda do Colégio Estadual Dr. Carlos Kluwe que haviam se apresentado momentos antes.
O Padre Lino Fistarol respirou fundo, deu o sinal para tocarmos o “Parabéns a Você” e tocamos. Tocamos e tocamos com garra, com a alma. Fizemos algumas evoluções e retornamos ao Colégio Nossa Senhora Auxiliadora mortos de vergonha.
No outro dia, não se falava em outra coisa a não ser o vexame da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, orgulho do Padre Lino Fistarol.
Lembro-me do Chico comentando que seu pai estava na platéia, feliz da vida, falando para todo mundo que tinha certeza que a nossa apresentação seria a melhor de todas pois tínhamos no repertório trechos de várias peças clássicas.
No momento do episódio, ele teve vontade que o chão se abrisse, contudo ficou repleto de alegria quando a homenagem à aniversariante foi, no mínimo, impecável. E teria repetido, praticamente em transe, para os que o cercavam:”Eu disse que eles tocavam bem! Eu disse que eles tocavam bem!”

(Publicado na Revista Acadêmica, nº 7, nov/dez 2001, p.60-61)

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