sábado, 15 de dezembro de 2007

O COMPARTIMENTO SECRETO


Por Paccelli José Maracci Zahler

Quando tínhamos aulas à tarde, Mário sempre chegava atrasado após o recreio. Desculpava-se com o padre Erwin, nosso professor, falando de uma indisposição intestinal, e sentava-se com a cara mais deslavada do mundo.
O pátio do colégio era enorme. No meio, ficava o campo de futebol coberto de areia grossa. Do lado direito, o prédio antigo com salas, um laboratório de Física, um pequeno museu no andar superior e o teatro no térreo. Mais à frente, os mictórios a céu aberto, popularmente conhecidos como ‘mijadores’, que ficavam exatamente no muro que separava o pátio do colégio da casa do Carlos Théo Lahorgue, e a cancha de salto em distância.
À frente, ficava a quadra poliesportiva para voleibol, basquetebol e futebol de salão. Ao fundo, o muro com o portão detrás do colégio, onde esperávamos o horário das aulas de Educação Física. À esquerda, algumas árvores e, ao lado delas, um pequeno campo de futebol; o prédio antigo, onde funcionava o clube do Padre Nestor; a lanchonete; o antigo refeitório dos alunos internos; um banheiro; e a entrada dos fundos da igreja.
Movidos pela curiosidade adolescente, começamos a investigar o que Mário fazia após o recreio que o obrigava a chegar sempre atrasado na aula do Padre Erwin.
Descobrimos que ele era assíduo freqüentador do banheiro ao lado do antigo refeitório dos alunos internos.
Perguntado, Mário confirmou que era uma delícia ficar naquele banheiro antes das aulas do Padre Erwin, principalmente, porque ele descobrira que o pessoal da turma mais velha escondia ‘catecismos’ do Carlos Zéfiro (pseudônimo de Alcides Caminha) em um compartimento disfarçado atrás da caixa de descarga, além de conseguir a calma necessária para agüentar aquela aula chata com o professor com voz cavernosa, que parecia ter um ovo cozido na garganta.

É claro que isso permaneceu em segredo por muitos anos. Do contrário, todos os envolvidos seriam descobertos e expulsos do colégio.
Entretanto, cada vez que Mário entrava na sala de aula com a velha desculpa, todos se entreolhavam e davam uma risadinha.

Na hora do recreio, ele não escapava das brincadeiras:
- E aí, Mário, como estão as palmas das mãos?
- Andas muito pálido e com espinhas no rosto, Mário!

O Padre Erwin sempre ficava curioso com as risadinhas no fundo da classe e olhava sério por detrás dos óculos fundo de garrafa. Desconfiado, de vez em quando, colocava todo mundo de castigo, anotava os nomes e mandava bilhetes para casa. Certamente, pensava:
- Eu não sei por que os estou castigando, mas eles sabem a razão do castigo.


(As fotos dos desenhos de Alcides Caminha, cujo pseudônimo era Carlos Zéfiro, foram obtidas na internet)

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