quinta-feira, 23 de agosto de 2007

UM GURI CRIADO A TODDY


Por Sergio Fontana

O desabamento de uma ponte ferroviária em Pedro Osório, no ano de 1982, interrompeu e abreviou, simbolicamente, o histórico do meio de transporte mais tradicional do sul do Rio Grande do Sul, os chamados trens de passageiros.
O trecho Rio Grande-Bagé voltou a ser utilizado após a reconstrução da ponte, mas um pouco antes do final dos anos 80 o transporte ferroviário de passageiros, em todo o Rio Grande do Sul, foi extinto oficialmente.
Menos de dez anos antes da enchente que derrubou a ponte, ninguém imaginava sequer que o majestoso prédio da estação da RFFSA/VFRGS de Bagé, inaugurado em 1884 e restaurado em 1929, deixaria, em breve, de ser a sede do principal entroncamento da região, cedendo o seu lugar para a estação localizada na cidade do Rio Grande.
Nenhum bageense imaginava também que os trilhos mudariam de lugar, e que sobre a Ponte Seca e sobre a ponte ferroviária próxima ao Paredão não circularia mais nenhum trem. E foi pensando que aqueles tempos românticos jamais iriam terminar que eu, junto com os demais atletas e responsáveis (Padre Lino Fistarol, Professor Paulo Oliveira e dois auxiliares técnicos), que representariam o Auxiliadora nos jogos intercolegiais regionais do RS, embarquei às 17 horas do dia 24 de Agosto de 1973, uma sexta-feira, num trem para Rio Grande.
Enquanto a luz do dia ainda se fazia presente, uma pilha de revistinhas do TEX, um herói do far-west, do Carlos Sá Costa, ia nos divertindo.
Quando a claridade natural foi substituída por uma lâmpada de, no máximo, 25 watts do vagão do trem, ficou impossível ler qualquer coisa. Então o jeito foi tentar dormir ou acompanhar a algazarra de uma parte da turma formada, na sua maioria, por alunos do 1º Científico e também por estudantes das 4ªs séries e 3ªs séries ginasiais, turmas que ainda mantinham essa denominação, apesar da reforma do ensino médio de 1972 que extinguiu os termos “primário” e “ginásio”, unificando-os sob o nome de ensino fundamental.
Acredito que a nossa chegada à cidade-sede da competição não ocorreu antes da meia-noite, mas ainda assim vários colegas mantinham a animação em alta rotatividade, adiando, o mais que podiam, a ordem dos responsáveis pelo grupo para se recolherem aos alojamentos do 6º GAC (Grupo de Artilharia de Costa), que dali para frente seria o nosso quartel general. As meninas que faziam parte do grupo eu nem sei onde foram hospedadas; elas simplesmente sumiram de circulação.
Não havia diferenças acentuadas de estatura entre a maioria dos atletas que disputavam os jogos, principalmente na categoria infanto-juvenil. Justificava-se por este motivo o meu aproveitamento na equipe de basquete do Colégio Auxiliadora. Entre os meus colegas de aula, somente dois, que eu me lembre, faziam parte da delegação: o Cândido Borba - basquete e vôlei; e o Carlos Sá Costa - arremesso de peso. O Sá - assim chamado por todo mundo - era um atleta diferenciado em função do seu excelente estado atlético, da estatura elevada e da força que possuía muito superior à de qualquer guri da mesma idade. Nem sei como se saiu no arremesso de peso, modalidade que concorreu, se não estou enganado, na categoria juvenil (de 15 a 17 anos), porém não houve, para mim, qualquer medalha conquistada que tivesse maior valor do que o episódio protagonizado por ele.
Domingo à noite, no ginásio do Colégio São Francisco, um bom público estudantil se acomodou para ver alguns jogos do basquete masculino. A maior parte do nosso grupo - algumas gurias, inclusive [oba!] - estava por lá. Eu não fui jantar com o Sá e com o Hamilton – aluno da 3ª Série, mais conhecido como Tuca - no restaurante em que tinha estado no dia anterior, preferi as arquibancadas do ginásio e a proximidade de algumas meninas do Auxiliadora. Eles, provavelmente, foram porque numa determinada hora o Tuca entrou correndo no ginásio em nossa direção gritando: - Tão dando no Sá, lá!
Todos os alunos, ou pelo menos os mais “machos”, do Auxiliadora que estavam ali saíram correndo, seguindo o Tuca na direção do acontecimento alardeado por ele. Umas oito, nove ou dez quadras adiante chegamos ao local da ocorrência e o cercamos imediatamente. O Sá estava de pé, muito vermelho, na posição de um guerreiro pronto para o ataque, com os braços meio-afastados do corpo e os punhos fechados – quase daria para dizer que o Sylvester Stallone se inspirou nele para compor o Rambo, anos mais tarde. Seus adversários eram dois marmanjos adultos: um estava caído junto a uma parede, sem entender mais o que estava acontecendo; o outro estava sangrando na testa e no nariz e, muito assustado, nos olhava sem esboçar nenhuma ação. O Carlos Sá, um guri de 13 anos, tinha dado uma surra neles e estava prestes a continuar o trabalho se não fosse a nossa chegada. O Nestor Bittencourt, aluno da 3ª Série, ainda ganhou um soco no nariz, desferido por um dos ladrões que pensou ser ele o autor da frase: - Tem que dar nestes f.d.p.!
Pensando bem, escapei de ser atacado pelos gatunos que tentaram assaltar o Sá e o Tuca, simplesmente porque dessa vez não saí com eles, e também escapei de levar um soco, o que só não aconteceu graças a uma disfunção auditiva do bandido; aí sobrou para o Nestor.
Com a chegada do auxiliar técnico do Prof. Paulinho, exclamando “isto é caso de polícia”, a confusão foi desfeita e os bandidos foram liberados, talvez extremamente envergonhados por terem apanhado de um pré-adolescente. Só que era um guri “criado a Toddy” e disso eles não sabiam. Depois desse vexame com várias testemunhas, eles – os ladrões - devem ter largado a “profissão”.


Fontes de pesquisa:
http://paginas.terra.com.br/esporte/rsssfbrasil/tables/br1973.htm
http://www.estacoesferroviarias.com.br
http://www.mikrus.com.br/~classe35/histquartel.htm
http://www.maristas.org.br/colegios/page.asp?cod=13&codpag=3097&rand=18/3/200510:41:43

Um comentário:

Lucinei Silveira disse...

Me lembro ate hoje do Tuca contando essa historia, e da minha tristeza por não ter ido junto por simples falta de grana para as despesas de viagem.