sábado, 21 de julho de 2007

O “GRENAL”



Por Sergio Fontana

O futebol sempre esteve presente em todas as fases da minha vida.
Entre 1968 e 1976, período em que eu estudei no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, os jogos de futebol eram disputados aos sábados durante todo o dia. Assim, das 08 às 18 horas, com intervalo entre meio-dia e 13 horas, o campo, cujo piso não era de grama, mas de areia, era ocupado ininterruptamente por atletas (adolescentes e pré-adolescentes); e suas adjacências, por observadores, aos quais nem se podia caracterizar como “torcida”.
O tempo disponível permitia que fossem realizados, no máximo, nove jogos por sábado.
As equipes - formadas por alunos da mesma turma ou não - alugavam (por uma hora) o campo, propriamente dito, uma bola oficial (chamada naquele tempo de bola no 5) e as camisetas.
Os calções, meias e chuteiras, ou tênis, ficavam por conta dos atletas, mas às vezes, optava-se por alugar o conjunto “camiseta, calção e meias”, para ficar todo o mundo com o uniforme impecável.
Camisetas havia de todo o tipo, a maioria com desenhos e combinações de cores tão aleatórias que não faziam referência a nenhum clube brasileiro ou estrangeiro existentes.
Se considerarmos que as medidas oficiais de um campo de futebol variam de 90 a 120 m de comprimento por 75 a 90 m de largura, eram muito menores do que o aceitável as dimensões do campo do Auxiliadora o qual, segundo o Prof. Paulo Roberto Oliveira, nosso mestre da Educação Física, falecido em 1987 - tinha 70 metros de comprimento por 30 metros de largura. Dessa maneira, não daria para concentrar vinte e dois atletas em movimento constante ali. Mas dava, e os jogos, muitas vezes, viravam uma “briga de foice”.
O episódio mais emocionante para mim ocorreu em 1969. Eu estava na 5a Série (ou 5o ano, ou ainda, no curso de Admissão ao Ginásio, como era chamado na época), onde freqüentemente eram lançados desafios chamados de “GRENAL da aula”, ou seja, alunos da mesma turma ou até da mesma série e turmas mescladas, gremistas e colorados marcavam um GRENAL para um sábado qualquer, valendo uma Pepsi-mini para cada jogador.
Ao aluguel do fardamento, que custava Cr$ 1000,00 (um mil cruzeiros) para cada um, eram acrescentados Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) para custear o refrigerante, totalizando Cr$ 1500,00 (um mil e quinhentos cruzeiros) por atleta.
Quem vencesse a partida, “levava as Pepsi”. E assim aconteceu num sábado cinzento, às duas da tarde, uma disputa valendo algo muito mais valioso do que uma medalha: onze refrigerantes que iriam matar a sede dos vencedores e deixar mais seca ainda a garganta dos vencidos.

Durante o jogo, o “Internacional” fez um a zero ainda no primeiro tempo e o “Grêmio” empatou no final do segundo, quase no fim mesmo, misturando adrenalina e esperança de um lado, com adrenalina e desânimo do outro. Mas esse placar não premiava ninguém; faltava definir um ganhador. O próximo jogo ia começar atrasado, em função de uma disputa em penalidades máximas.
Em jogo de guri daquele tempo, sorteava-se, num par ou ímpar entre os capitães, a preferência na ordem das cobranças, mas tinha uma diferença significativa: todos os cinco pênaltis eram cobrados em seqüência pelo mesmo time; o outro cobrava os seus cinco depois.
O “Grêmio” ganhou o sorteio e o Eduardo Ramos, o Dado, que era o capitão, pegou a bola para chutar a primeira penalidade na goleira que ficava de costas para a rua Marechal Floriano. Bateu mal, por cima do gol. Resolveu bater também o segundo e repetiu a proeza por cima do gol. Não se deu por satisfeito e novamente o mesmo erro.
Três chutes errados e os colorados vibrando. E o homem insistiu, mais uma vez e ainda outra, e errou os cinco pênaltis, todos batidos da mesma maneira: por cima do travessão.
Ao “Internacional” bastava converter um gol. Enquanto nós gremistas, mesmo sem dizer uma palavra, demonstrávamos indignação com o Dado, os vermelhos já pensavam na glória alimentada pela rivalidade GRENAL e no prêmio que ganhariam.

Tendo assimilado o erro crasso do adversário, os colorados designaram dois ou três jogadores, e não só um como fez o adversário, para efetuar as cobranças. Entre os chutes que foram dados pelo “Internacional”, eu não lembro em que ordem aconteceram os seguintes fatos: dois para fora, ao lado da trave; duas defesas do César, nosso goleiro; e uma bola na trave. Vibração por parte dos gremistas.
Agora seriam três penalidades para cada equipe e novamente os tricolores iriam chutar primeiro.
O Dado se apressou em pegar a bola, e antes que alguém o banisse para sempre da zona das penalidades, chutou nas mãos do Paulo Teixeira, o goleiro colorado.
Por unanimidade ficou decidido então que o Dado nem deveria mais chegar perto da bola.
O novo cobrador de pênaltis para o “Grêmio” era de outra turma, e eu não lembro o nome dele.
Os dois outros pênaltis, para meu alívio, foram bem executados e convertidos, sem chance de defesa para o goleiro. Cabia ao “Inter”, agora, efetuar as suas cobranças, mas eu estava confiante porque o César, o goleiro do “Grêmio” era um “baita” goleiro e, certamente defenderia, pelo menos, duas cobranças. Dois chutes fortes, nos cantos, por parte do Colorado e o empate estava garantido.
No último chute a concentração total do batedor, dos dois times, dos observadores e, principalmente, do nosso fantástico goleiro que olhava fixamente para a bola.
Eu olhava fixamente para ele, o César, tentando transmitir-lhe uma energia que eu imaginava ter e que poderia guiar os seus reflexos, culminando o lance com mais uma defesa magnífica. E, em uma fração de segundo depois, um chute forte e rasteiro, no canto, o goleiro se esticando todo, ralando o joelho e os cotovelos e... gol do “Internacional”.
 
Posted by Picasa

Como num estouro de boiada, correram os onze colorados ao balcão do bar, naquele tempo ainda situado à direita de quem olha na direção da Praça dos Esportes, e receberam do atendente o prêmio que lhes coube por direito. A nós gremistas, dessa vez, só o cansaço e a sede.

Fontes das fotos: Internet, www.nacaocolorada.com.br e www.museudosesportes.com.br.

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