sexta-feira, 6 de julho de 2007

A REDAÇÃO DO FALCÃO



"Minhas Férias" do ponto de vista do Falcão

Por Sérgio Fontana

O tema não era livre.
O título da redação deveria ser "Minhas Férias".
Era um tema para casa proposto pelo Padre Lino Fistarol, no início do ano letivo de 1976, lá no final do mês de Março.
Só que o irreverente e super-bem-humorado Falcão nem tomou conhecimento do assunto. Resolveu, por conta própria, escrever o que lhe viesse à cabeça e saiu-se com o texto reproduzido abaixo.
O Padre Lino leu em sala de aula algumas redações, dentre elas a do Cláudio.
Eu achei a hisstória tão genial e engraçada que a pedi emprestado ao autor para ler e, conseqüentemente, rir novamente.
Ele me disse: - Fica com ela pra ti!
E aqui está ela novamente, trinta anos depois, amarelada pelo tempo.
Infelizmente, na hora de escaneá-la houve um corte na última linha da primeira folha porque ela era bem maior do que a bandeja do escaner e o Falcão não havia desperdiçado papel. Entretanto, o que se perdeu não passa de uma linha e não
interfere no perfeito entendimento do texto.
O personagem naquele momento está só esbravejando em italiano, xingando a mulher e o empregado.

TRANSCRIÇÃO (dentro das limitações do entendimento da caligrafia)

"Cláudio Corrêa Falcão de Azevedo nº 3 - 3º B

TÍTULO: O assassinato, ou É preciso ter consciência?

Descendente de italianos, bem de vida, boa-pinta, casa com dona Leonor, mulher de fazer o mais casto frade minar de sangue e desejo o seu cérebro.
Giovanni Sottocorno tinha tudo o que se pode denominar de supérfluo-indispensável; só uma coisa o angustiava: as duas últimas sílabas do seu sobrenome.
O casal possuía uma mansão no bairro mais “bem” de Catandúvas, cidade mais ou menos como Boston, por assim dizer.
Na firma, tudo bem; negócios, melhor ainda, e um fiel secretário, o Neves, dando-lhe “aquela” mão em tudo que fosse preciso.
Um dia, ao chegar em casa, Giovanni, Gigi, como Leonor o chamava, foi interpelado pela esposa que, como se tivesse uma bala de castanha grudada no céu-da-boca, pediu:
-“Ai, benzinho! A gente tem que trocar tudo isso aqui” – girando o dedinho e mostrando toda a sala – “tá muito cafona!”
Gigi, como de hábito, não resistiu ao poder de persuasão da esposinha e trocou aquela sala velha de mogno por um Luis XV impecável, pelas idéias arrojadas da Leonor.
Neves, cada vez mais assíduo nas suas visitas ao lar do patrão, mostrava-se de solícito para mais que solícito com a mulher do Sottocorno,e o próprio, além de desconfiado por natureza, andava de seca em mel (?) para não fazer jus ao nome.
Um mês mais tarde, arranjou uma viagem fictícia, e armando-se de uma gabardine, a um binóculo foi vigiar.
Isso foi mais ou menos 9 da manhã. 8,30 da noite, Sottocorno viu chegar o “Chevette” do Neves e : “piriripipipi”; em seguida, Mariana, a mulata de acordar sexagenários apareceu, mas nada não era com a empregada. Ela abriu o portão de ferro batido com desenhos da era vitoriana e lá se foi o neves, casa a dentro, ligeiro.
Pulando como um gato a cerca-viva que separava o gramado da calçada, Gigi postou-se sob o janelão lateral da nova casa redecorada. Através do vidro bisotê, com brasão e tudo, ele viu: sua adorada Leonor, envolta em um pegnoir de seda negro transparentíssimo, abraçar o Neves, carinhosa demais para o seu gosto. E dizia ele:
- Maledeta cornuta, epa, cornuto sono io! Ingrato Neves, maledeto traditore!
E assim seguiu horas a fio, percorrendo a Itália (...) (corte na página) a xingar em britânico aprendido com os estivadores da Inglaterra. Quando ele já estava dizendo coisas feias aprendidas com os malandros bahianos, o Neves e sua Leonor já tinham feito tudo que queriam e todas as posições desejadas e quantas vezes fosse possível. E agora, ao som de “Moonlight serenade” os pombinhos dançavam.
Um mês depois, o antes calmo e seguro Giovanni e agora nervoso e até falar sozinho ele falava, convidou o fiel Neves para ir passar uma semana na sua casa de praia.
Chegaram, e, à noite, conversando, Gigi larga essa:

- Leonor, qual é a tua concepzione de sexo?
- Bem, eu acho que é algo puro e maravilhoso...
- Nada de prazer, diverzione?
- Credo, querido, depois de grande tá ficando depravado? Isso é coisa de gente baixa.
- E tu, Neves?
- Bem...(pigarreando)...Eu sou um pouco moderado no que se trata à minha vida de solteiro, encaro o sexo como algo necessário mas sem, contudo, fazer dele um esporte.
- Sim, capisco...capisco.
Com o embaraço que cada um sentia interiormente, Neves foi ver a lua na praia. Leonor foi pra cama e, Giovanni, atrás do Neves.
Foi rápido, uma pedrada na cabeça e o Neves caiu feito uma bola nas pedras, Gigi bombeou-lhe água para os pulmões e quando descobriram o corpo, o laudo médico acusou morte natural por afogamento. Quinze dias depois, Sottocorno na firma, racioncinava; batem a porta:
- Entre!
- Bom dia, senhor, eu...
Ato contínuo, Giovanni torce-se na cadeira como lesma no sal e por fim, cai, fulminado por um enfarte.
O visitante chama a secretária e diz:
- Não sei como aconteceu, eu vim perguntar pelo Neves.
- O senhor é parente? – pergunta a secretária míope.
- Sou irmão gêmeo dele!"

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