sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
A ABELHA VERDE
Por Paccelli José Maracci Zahler
Quando as coisas acontecem temos dificuldade de explicar como foram. Dependendo da coisa acontecida, cai-se no descrédito. Por muitos anos guardei comigo um fato passado.Não, não foi nenhum crime, absolutamente!
A casa já estava abandonada há muito tempo.Sempre tive muito carinho por ela.Nela nasci e cresci e sempre que me lembro a saudade me invade.
No pátio, havia um caramanchão de videiras. Eram quatro pés que se entrelaçavam, davam sombra e as uvas mais saborosas que já provara.
Todos comiam das uvas, nossa família e os vizinhos. Lembro-me que em minha curiosidade infantil eu ficava observando os mínimos detalhes das folhas e das gavinhas.Mais tarde, quando consegui um microscópio, elas foram minhas cobaias no estudo da Botânica.
Pois bem, eu já estava deixando a puberdade e a casa estava vazia.
Um dia fui visitá-la e, é claro, todas as lembranças da minha infância vieram à tona.
A casa cheia de gente. Meu avô trabalhando com soldador, estanho e latão, consertando calhas; minha avó cuidando da casa; a cadela Xandaia, já velhinha, caminhando pelo pátio; minha tia fazendo trabalhos escolares; meu tio se aperfeiçoando em seu ofício de barbeiro; a caturrita taramelando na gaiola.
Próximo ao tanque de lavar roupas havia um galpão com toda a sorte de coisas, desde brinquedos antigos até ferramentas. Para mim era um mundo de descobertas.Lembro-me de um brinquedo que consistia em um carrossel com pequenos aviões. Eu ficava imaginando se meus tios haviam brincado com eles e como seriam as brincadeiras.
Certa vez ,encontrei um chaveiro dourado com o símbolo da Confederação Brasileira de Futebol e a escalação de todo o time campeão mundial de 1958. Eu não entendia muito bem de futebol, como ainda hoje, mas sabia que era uma verdadeira relíquia. Uma pena ter se perdido em minhas constantes mudanças de residência.
Foi no canteiro daquela casa, onde um dia existiu um pé de abacateiro, alguns poucos pés de morango e a erva-de-santa-luzia, que eu chamusquei o meu rosto com pólvora seca.
Meu tio-avô havia morrido e uma parte de seus objetos pessoais foi levada para a casa da minha avó.Dentre eles, uma arma de caça com alguns cartuchos.
Um dia, decidi desmanchar um dos cartuchos para ver seu conteúdo.Retirei a bucha, os chumbinhos e vi que tinha um conteúdo razoável de pólvora seca, o suficiente para fazer um rastilho.
Eu não tinha idéia que havia dois tipos de pólvora: uma para fazer rastilho que eu via com freqüência nos filmes do “far west” nas matinês do cinema; e a pólvora seca, usada nos cartuchos de munição para expulsar o projétil.
Fiz o rastilho e, como estava ventando, ajoelhei-me sobre ele para riscar o fósforo.Lembro-me de estar vestido com um blusão de lã cintilante avermelhado.
Risquei o fósforo e tudo o que vi foram meus cabelos pegando fogo, meu rosto ardendo e minha avó gritando em desespero. Felizmente, nada de grave aconteceu.
Quando me olhei no espelho, estava sem sobrancelhas, minha franja tinha sumido, meu rosto vermelho e meu blusão de lã completamente “careca”, cheirando queimado.
Tive de ir até a barbearia do meu tio para aparar o cabelo.
Foi naquele telhado que, com cerca de quatro anos de idade, eu subi por uma escada e nele caminhei chamando pelo meu avô que consertava calhas.
Lembro-me de ele ter vindo com um sorriso nos lábios enquanto a minha avó e uma prima da minha mãe gritavam desesperadas com medo que eu caísse.
Pois bem, estava eu envolto em recordações quando ouvi um zumbido intermitente que vinha do caramanchão formado pelas videiras. Olhei de perto e nada vi. Subi no tanque de lavar roupas, abri a folhagem e vi uma abelha verde e marrom enorme.
A abelha estava sobre a folhagem. Remexia seu abdômen e eu o vi claramente se expandindo e contraindo, se expandindo e contraindo, ao mesmo tempo em que emitia um zumbido.
Fiquei paralisado. Meus músculos se contraíram e eu não conseguia sair do lugar.
A abelha verde me olhou nos olhos ao virar a sua cabeça. Levei um tremendo choque, meus músculos se soltaram e eu consegui correr.
Desci do tanque como um foguete. Arfava. Ficara tonto.
Pensei comigo: “Abelhas verdes não existem! Que coisa mais estranha!” Então, respirei fundo e voltei ao local. Subi no tanque, abri a folhagem e não vi mais nada.
A abelha verde sumira para sempre.
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